Diário de Um Jardim

<<-@ ... As divagações filosóficas de uma rosa e seus amigos ... @->>

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

A Rosa Ouve a Abelha

Quando há um grito na alma, o que fazer, a não ser deixá-lo ecoar pelo próprio ser, pelo mundo, pelo tempo? Afinal, não se pode calar a insatisfação.
Mas é claro que haverá muitos que não saberão ouvir ou entender ou se importar. Porém, não considero isso uma lástima, em princípio: nossas razões e sentimentos são tão altos, tão sublimes e insondáveis, que somente um profundo conhecimento por parte de quem ouve o nosso clamor é capaz de nos interpretar.
Entretanto, isso não é tudo! Há aqueles que nos amam, e que são capazes de nos compreender, mesmo que não possam alcançar esse conhecimento em sua totalidade.
Eu sempre admirei a Abelha. Sempre ouvi atentamente e considerei tudo o que disse. E muito além, sempre percebi como todos ao seu redor a respeitam e reverenciam. Todos estão atentos, esperando o início da revolução (não é estaria o conflito no destino de uma abelha que se tornará rainha?). Ela só precisa gritar na direção certa, para não permitir que o vento leve sua voz pra longe.

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Uma Palavra Ao Caracol

Não lamento minha natureza estática, essas raízes que são minha vida e minha morte. Porém, reconheço que não há nada mais digno do que o seguir de um caracol.
Não importa para onde vai; muito menos de onde vem. O que ele sempre leva consigo, isto é o que o dignifica: sua casa sempre às costas. Sim, um caracol nunca deixa suas convicções para trás. Sonhos e descobertas são seus grandes companheiros de jornada.
Nunca hei de pensar, no entanto, que são tais coisas fáceis no trato; oh, não, pelo contrário: ele sempre sofre mais que os outros, pois seu fardo é pesado. Mas isto não é desventura: quando ele chega ao seu destino, não chega por chegar; não sente o vazio que sentem os vencedores depois da vitória. Pois seu triunfo real não é chegar, mas sim perceber que em toda a caminhada conseguiu conservar junto de si tudo o que sempre teve e o que foi cativando e conquistando no decorrer de sua busca. Por isso, creio que ela própria lhe encha o coração. Mas se não, aquieto-me. Trazendo consigo o que ele traz, um motivo para seguir é inevitável.

Dignas de Destaque São As Palavras de Um Caracol

"Desculpem-me pela intromissão. Digo desde já que não sou jardineiro, mas gosto muito de flores e belos jardins. Outrora tive medo de abelha, mas não é mais o caso. Sua graciosidade, fluidez e, principalmente, sua paixão em sempre recomeçar, me encantam. Aliás, foi através do zumbido de uma certa abelha que fiquei sabendo da existência desse jardim. E a curiosidade não cessou, ..., será algo como o “Jardim de Epicuro”? ... Tive que conferir!Considerem-me um caracol de jardim, desses que vivem à sombra das flores, em sua longa obstinação. O que seria dele se, ao levantar os olhos, não se deparasse com a irresistível beleza das flores. E, sem estas, seu mundo não seria apenas menos belo, mas sim, muito mais perigoso. Caracóis são delicados e torram-se ao sol direto. Do jardim, ele ainda vislumbra a abelhinha em seu vôo ao cair da tarde, ..., tão perto e tão distante... Digna de admiração, porquanto emancipada das condições telúricas.O girassol segue a sua luz. O caracol, por vezes, não acredita que exista algo a ser seguido. Vive sobre a terra úmida e, às vezes, sente-se, ele próprio, terra também.E a Rosa? Será uma cativante rosa vermelha? Uma tranqüila rosa branca? Uma sincera rosa amarela? Uma indecifrável rosa chá? Uma autêntica rosa rosa? (Por que a fixação em tipos tão puros? Não seria melhor uma combinação de todas elas?). Ele não a viu. Mas, ao entrar no jardim, percebeu sua presença, sentiu seu perfume e, neste pequeno universo, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem profundidade, o caracol disse consigo mesmo: “Acho que tudo está bem”, e essa é uma fala sagrada, ..., de tantas reminiscências ..., pois ela ecoa neste universo feroz e limitado (um jardim!?) e o lembra que tudo não foi e não está esgotado ... Sentiu-se bem. E este contentamento silencioso o acompanhará em sua procura (O que procura o caracol?) ... Cada grão desse jardim, cada pedrinha, cada flor, para ele constituem um mundo. E o caracol, continuando sua busca, reconhece que a própria busca é suficiente para preencher um coração humano (ops!, digo, de caracol).Certamente, ao percorrer as alamedas e recônditos deste jardim, o caracol formou, ainda que intuitivamente, algumas idéias acerca de seus habitantes. Contudo, não poderia externá-las antes de seguir o conselho de Montaigne, ou seja, falar de si próprio. Talvez, à guisa de apresentação."

sábado, fevereiro 12, 2005

Livrando-se das Ervas Daninhas

Levei um grande susto quando afinal percebi o jardim! Quantas plantas desconhecidas estão agora entre mim e meus velhos amigos... já nem consigo vislumbrar bem o Girassol. A Abelha, ainda bem que tem asinhas, assim ainda posso vê-la de vez em quando.
Mas o Girassol... não há jeito para nós. Temos, afinal, a mesma natureza: aprisionados estamos, enraizados em lugares diferentes. Não quero, porém, ser egoísta! As novas plantinhas do jardim têm sido seus amigos mais próximos. E se ele está feliz, então também estou.
Porém, agora tenho percebido umas certas plantas traiçoeiras que surgiram próximas de mim...não sei quem as trouxe: o vento, algum insetinho ou pequeno animal inocente, ou talvez não. O certo é que elas gostam de disseminar os maus sentimentos: tentam me convencer, a todo custo, que estou sozinha, como antes, como sempre. E que não há mais ninguém que se importe.
Eu me esforço bastante pra não acreditar nelas. Mas às vezes é tão difícil...elas conhecem bem meu ponto fraco! Gostaria de apenas ignorá-las, gostaria de mostrar a elas que estão erradas, que meu pequenino jardim me ama, e eu a ele; que somos uma família, a despeito de qualquer coisa ou situação.
Ainda não me entreguei, no entanto. Quando tudo fica insurpotável demais, eu crio asas de borboleta e vôo longe, e tudo o que ouço são murmúrios falsos que já não possuem significado algum.