Diário de Um Jardim

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terça-feira, fevereiro 15, 2005

Uma Palavra Ao Caracol

Não lamento minha natureza estática, essas raízes que são minha vida e minha morte. Porém, reconheço que não há nada mais digno do que o seguir de um caracol.
Não importa para onde vai; muito menos de onde vem. O que ele sempre leva consigo, isto é o que o dignifica: sua casa sempre às costas. Sim, um caracol nunca deixa suas convicções para trás. Sonhos e descobertas são seus grandes companheiros de jornada.
Nunca hei de pensar, no entanto, que são tais coisas fáceis no trato; oh, não, pelo contrário: ele sempre sofre mais que os outros, pois seu fardo é pesado. Mas isto não é desventura: quando ele chega ao seu destino, não chega por chegar; não sente o vazio que sentem os vencedores depois da vitória. Pois seu triunfo real não é chegar, mas sim perceber que em toda a caminhada conseguiu conservar junto de si tudo o que sempre teve e o que foi cativando e conquistando no decorrer de sua busca. Por isso, creio que ela própria lhe encha o coração. Mas se não, aquieto-me. Trazendo consigo o que ele traz, um motivo para seguir é inevitável.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Sem dúvida, a rosa entende o caracol! Estas são as palavras certas: “fardo” e “convicções”. De fato, assim como Sísifo, o herói absurdo, o caracol também acredita que a caminhada nem sempre se faz na dor. Por vezes, a alegria o acompanha. Tal como ao chegar a esse jardim e percorrê-lo sem receios. É bem verdade que o caracol gostaria de ter menos convicções, elas o aprisionam. Assim como a rosa, o caracol sabe que a felicidade e a dor não podem existir, neste mundo, em estados puros. Ambos são filhos da mesma terra. Sim, a rosa sabe. E, realmente, não há de que se lamentar acerca de sua natureza. Se a rosa se sente cansada perante o inalcançável ou sufocada frente à proliferação das ervas daninhas, isto é, em certo sentido, muito bom. Pois mostra que ela não sucumbiu à mediocridade de uma vegetação rastejante e parasita, e seu crescimento prossegue, uma vez que através de suas raízes, tão ardorosamente fixadas à terra, continuam sendo absorvidos os nutrientes (sonhos, desejos persistentes, esperanças recônditas, ...) que sustentam o desabrochar de suas pétalas aveludadas e aconchegantes para os pequenos seres alados. Mas, as pétalas são formadas às custas das transformações dos estames. Ah! E como podem ser dolorosas estas transformações! Com efeito, "alcançar o cotidiano" é a dura tarefa que a rosa se impõe. Mas o cotidiano é espesso e as trilhas para alcançá-lo são tão estreitas! A rosa está longe de ser egocêntrica, ela quer este "cotidiano para todo o jardim". É bem verdade que fala de si. Mas isso é inevitável. Cada um sente a sua dor e o espinho em sua própria carne. É o preço a pagar pelas paixões neste mundo.

10:58 PM  

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